quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Hugh Lupton: O Sonho do Pastor

Borboleta . ilustração de Joba Tridente - Falas ao Acaso

Nesta Semana da Criança estou postando, a cada dia, um texto diferente, em prosa e ou em verso, de autor brasileiro e ou estrangeiro. O Sonho do Pastor é um conto tradicional da Irlanda. Eu fiquei fascinado quando o li há alguns anos. Ou melhor, quando li uma versão (meio diferente) dele, creditada à tradição Sufi e de autoria do grande escritor Idries Shah (1924 - 1996), que o teria publicado em El Caballo Magico, Caravana de Sueños (1988). Quando buscava mais informações descobri outras variações da narrativa Sufi.


O Sonho do Pastor

Era uma vez dois velhos pastores. Tinham saído com seus carneiros e, no fim do dia, acabaram ficando muito cansados.
Então se sentaram num monte de relva fofa, perto do rio. Um deles se deitou, fechou os olhos e logo pegou no sono. O outro ficou sentado, fumando seu cachimbo, pensando nisso e naquilo, observando o companheiro que dormia.
Era um belo entardecer, o sol formava longas sombras sobre a relva, o riacho murmurava...
De repente, aconteceu uma coisa estranha.
A boca do pastor adormecido se abriu e, entre seus lábios, surgiu uma borboleta branca. De sua boca saiu uma borboleta branca como a neve.
Rastejando, a borboleta desceu pelo corpo do pastor adormecido, percorreu uma de suas pernas e esvoaçou até o chão de relva. Havia uma pequena trilha que levava dali até o rio, e a borboleta desceu até a beira da água.
O homem que estava acordado se levantou e foi acompanhando a estranha borboleta. Ele nunca tinha visto nada igual.
A trilha levava até uma fileira de pedras que atravessava o rio. Esvoaçando de uma pedra para outra, a borboleta chegou à outra margem.
Pulando de uma pedra para outra, o homem foi atrás da borboleta.
Nessa outra margem, cresciam juncos altos. A borboleta se agitava e voava, entrando e saindo do meio do junco. O pastor ficou parado, observando admirado, com o cachimbo na boca. Então, por entre os juncos, no chão de relva, ele viu um crânio de cavalo. Era uma imensa caveira branca de cavalo, corroída pelo tempo e ressecada pelo sol.
A borboleta foi até a caveira, esvoaçou sobre o osso branco e entrou por uma de suas órbitas.
O pastor continuou ali, em pé, vendo a borboleta buscar e explorar cada canto do crânio.
Depois de um tempo, a borboleta saiu e voou de volta pelos juncos, atravessou o rio pelas pedras e subiu pela trilha. O pastor acompanhou-a em silêncio. Admirado, viu-a subir na perna do homem adormecido, rastejar por seu corpo e entrar em sua boca aberta. Imediatamente o homem fechou a boca. Então se espreguiçou, esfregou os olhos e acordou. Sentou-se na relva e disse:
Acho que dormi demais.
Nem tanto - disse o amigo -, mas enquanto você dormia vi uma coisa maravilhosa.
Pois quem viu uma coisa maravilhosa fui eu! Imagine só: enquanto dormia, sonhei que fiz uma viagem imensa. Primeiro, caminhei por uma bela estrada, muito ampla, com uma alta sebe verde de cada lado. Finalmente, cheguei à beira do mar. Atravessei-o, indo de uma ilha a outra, até chegar a um país distante. De início, atravessei uma floresta de árvores muito altas, que cresciam retas na direção do céu. Maravilhado, Perambulei um pouco por ali, até que avistei um palácio. Era um palácio magnífico, de mármore branco e brilhante! Entrei pela porta e percorri todos os aposentos. Lá dentro não havia ninguém. Pensei em ficar ali para sempre, mas de repente tive uma sensação estranha. Eu sabia que tinha que voltar pelo mesmo caminho pelo qual tinha ido. Então saí do palácio, atravessei a floresta, o mar, percorri a longa estrada e cheguei em casa. Fechei a porta atrás de mim e estava pensando em fazer meu jantar quando... acordei!
O amigo ficou em silêncio por um momento, fumando seu cachimbo, e então disse:
- Venha comigo. Vou lhe mostrar a viagem que você fez.
O homem que tinha dormido se levantou e o amigo lhe contou da estranha borboleta branca que saíra de sua boca.
- Esta pequena trilha - ele disse - é a estrada ampla, e o capim é a sebe alta. Este rio é o mar e as pedras que o atravessam são as ilhas. Aqueles juncos são as árvores da floresta e aquela caveira de cavalo é o palácio vazio, branco e brilhante, em que você entrou.
De fato, os dois tinham visto uma coisa maravilhosa. Mas qual deles viu a maravilha maior?


O Sonho do Pastor (desta postagem) foi publicado no belo livro Histórias de Sabedoria & Encantamento - recontadas por Hugh Lupton, com ilustrações de Niamh Sharkey. A tradução é de Monica Stahel para a Editora Martins Fontes, 2003. Hugh Lupton é um renomado Contador de Histórias britânico. Em seu site STORYTELLER (em inglês) podem sem encontradas mais informações sobre ele e o seu trabalho e ou perfil traduzível (via Google) aqui em Biography.  Conforme a nota sobre a origem da história, publicada ao final das narrativas: Esta história misteriosa está em The Folklore of Ireland (Batsford Books, London, 1974). Também pode ser encontrada em Folk-Tales of the British Isles, de Kevin Crossley Holland (Faber & Faber, London, 1985). Ambas são coletâneas indispensáveis para quem deseja pesquisar contos tradicionais britânicos.

Ilustração de Joba Tridente


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