quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Walter Medeiros: Noite de Raposas e Manhã de Carcarás


Ilustração de Joba Tridente: Noite de Raposas e Manhã de Carcarás - Falas ao Acaso

Hoje é o Dia do Saci Pererê e, para homenagear o fantástico na literatura brasileira, trago o realismo mágico do Cordelista Walter Medeiros em Noite de Raposas e Manhã de Carcarás, de 2002. Em um texto breve, sobre esta arte poética, publicado em seu site Poemas de Cordel, o autor diz que: O Cordel pode ser considerado como uma poesia narrativa, impressa e popular, conforme definem alguns estudiosos. Trata-se de uma poesia que só se manifesta através da escrita. Até porque sua característica mais prática e popular está na forma de expor - que lhe deu o próprio nome – folhetos pendurados em cordéis. Existem rimas feitas de improviso que se assemelham aos poemas de cordel, porém aí já ganham outra conotação: a embolada e outros repentes são exemplos. Desde o Século XV há registros de folhetos na Alemanha, no Século XVII na Holanda e Portugal, em forma de “folhas volantes” ou “folhas soltas”. Os estudiosos apresentam comprovações desta origem para o Cordel. Ele tem uma importância muito grande para a nossa cultura, pois estimula o dom natural daqueles que fazem rimas populares.



Noite de Raposas e Manhã de Carcarás (2002)
Walter Medeiros

Nas estradas do Nordeste,
temos muito o que ver:
d’aurora ao anoitecer,
é um verdadeiro teste,
que temos que enfrentar,
pra poder nos deslocar,
desde o sertão ao agreste.

Basta que agora lhe conte
uma recente viagem,
feita por estas paragens
de tão lindo horizonte:
pra você ter uma ideia,
quem viajou na boleia
diz que foi estronteante.

Com destino a Fortaleza,
Voltavam de Caicó:
Uma alegria só,
era tudo uma beleza.
De repente, começou
aquilo que se tornou
numa estranha surpresa.

Coisa que só via em lousa,
Um Doutor apreciou,
quando bem perto passou
uma enorme raposa.
Ele até se esquivou,
mas firme aguentou
tão surpreendente coisa.

Depois veio logo outra
e mais outras, outras tais,
ele nem ligava mais,
dizia que era marota
mas todos naquele carro
em estado tão bizarro
diziam “tá com a gôta”.

De repente aliviou
e as raposas sumiram
nenhum mais eles viram
quando algo clareou
aí veio a novidade
em meio à claridade
que ao grupo impressionou

Pela estrada a deslizar,
seguia o rumo traçado
quase meio desligados,
para o Céu foram olhar;
que cena estranha viram
quando a vista subiram:
a nuvem de carcará.

Lembraram de Hitchcock,
naquele seu filme lindo,
com os pássaros seguindo
quem desse o menor toque;
Mas, com seus conhecimentos
o grupo teve momentos
de diferentes enfoques.

O medo de virarem presas
criou uma mente só;
os carcarás não tinham dó,
no rumo de Fortaleza,
seguiam o carro pertinho
e todo mundo juntinho
testavam a natureza.

Uns achavam engraçado,
outros tinham apreensão,
era tanta emoção,
tinha até doutor calado;
mas parecia eterno,
diziam que era um inferno
aquele trecho enfrentado.

Raposas a carcarás
chamaram tanta atenção,
que o grupo com emoção
só falava sobre paz:
respirando muito fundo,
pensaram por um segundo:
─ outra dessas, nunca mais.

Tanto que nem mais lembravam
o dia anterior,
onde no interior
tiveram uma agenda brava,
Mas isso é outra história
que vai ficar na memória
de viagem cheia de favas.

Por aqui vou encerrar,
quero que tenham gostado
do que foi aqui narrado
e tenho que homenagear;
senão, não tinha histórias,
pois aqui quem tem as glórias
é raposa e carcará.


Walter Medeiros (1953) é escritor (prosa e verso) e jornalista. Trabalhou em diversos veículos de comunicação, entre eles a Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, Rádios Cabugi e Planalto, TV Cabugi, Tribuna do Norte e Dois Pontos, tendo colaborado no jornal Movimento. Foi um dos fundadores do jornal cultural Galo, da Fundação José Augusto. Participou do jornal O Letreiro, do curso de Letras da UFRN (1976) e do fanzine poético A Margem. Em 1990 publicou Abelardo, O Alcoólatra, que trata do o dia-a-dia de uma clínica de recuperação de dependentes químicos. Fonte: Poemas de Cordel.

Ilustração de Joba Tridente.2012

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