Nesta
Semana Santa (para católicos praticantes) estou postando uma literatura
compilada de edições raras, que se destaca pela idiossincrasia religiosa.
Preferencialmente mantendo a grafia antiga. Há sete anos
ou oito anos , pesquisando arquivos
literários do Projeto Gutemberg, encontrei uma pérola
raríssima: Álbum Chulo-Gaiato ou
Colleção de Receitas Para
Fazer Rir , de autoria desconhecida , publicado em
1862. Nesta segunda-feira a diversão
é outra com o conto A Franciscanada.
A Franciscanada
Que grande franciscanada
Vai fazer com frei Bento
Frei João e frei Monteiro
P'ra longe do convento?
Bom alforge levam cheio,
Recheiado de finorio
Presunto, e grosso paio,
Furtados no refeitorio.
Frei Bento vai ajoujado
Com tremebunda borracha;
Chega o rancho a uma tasca
Para a horta lá se encaixa.
Frei João despindo o habito
E de manga arregaçada
Tempra e meche aforçurado
Um alguidar de salada.
Frei Monteiro pisca o olho
Á moça, que é rapariga,
E frei Bento sem c'rimonia
Um chouriço já mastiga.
Voam paios e presuntos
Tal é a gula e a gana,
Torna-se logo a borracha
Em famosa carraspana.
Depois alegres cantando
Lá se vão abarrotados
Ao convento recolhendo
Pelos muros encostados.
Chama a campa ao refeitorio,
Pois são horas de ceiar,
A fradalhada apparece
Mas não acha que trincar.
-«Que pouca vergonha é esta?»
Grita logo frei Martinho,
«Que é dos nossos grossos paios,
O presunto e mais o vinho?»
-«Fomos roubados», responde
O padre refeitoreiro,
«Tudo lambeu frei João
Com frei Bento e frei Monteiro!»
-«Ah! bebedos! ah glotões!
Ah! cambada de marotos!...»
Berra o padre provincial
Dando cinco ou seis arrotos.
-«Hão de caro pagal-o!»
Brada em peso o convento,
«Hão de levar bons açoites
Frei Monteiro e frei Bento;
«E tambem Dom frei João
Ha de leval-o o diabo!
Tudo quanto nos comeram
Ha de lhes saír do rabo!»
Todos logo bem armados
De sandalias gigantescas
Tratam de pôr á vela
As seis nadegas fradescas.
E depois sem mais demora
Pé atraz e furibundos
Tocam todas as matinas
Nos traseiros rubicundos.
Eis no meio da batalha,
Quando tudo em confusão
'Stá batendo a bom bater,
Dá um peido frei João!
Mas não é peido de medo
É um peido tremobundo,
Peido de frade, que é
O maior que ha neste mundo.
Se o famoso Garibaldi
Um tiro destes lh'escapa
Lá se vão com mil diabos
Os exercitos do Papa.
Foge tudo com o estoiro
E ainda mais com o cheiro,
Aquelles que mais gritaram
São os que fogem primeiro.
Frei João põe em derrota
O resto da fradalhada,
Dizendo-lhe que ainda tem
A peça bem carregada...
*
Ilustração
de Joba Tridente - 2013
O Álbum Chulo-Gaiato ou
Colleção de Receitas Para
Fazer Rir é um daqueles achados
que faz a gente
confirmar que
um bom
texto é atemporal .
O volume é recheado de prosa e verso sarcásticos , irônicos ,
safados , metafóricos, eróticos , românticos, chulos
ao extremo e divertidíssimos do primeiro ao último parágrafo
ou verso .
Uma Colleção de Receitas
Para Fazer Rir ,
inacreditavelmente atual , 151 anos depois da sua publicação, e tão
boa que poderia
até mesmo
ser um texto perdido de Gregório
de Matos (1623-1696) ou de Bocage
(1765-1805).
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