segunda-feira, 25 de março de 2013

Literatura Sacra e Jocosa: Anônimo 2



Nesta Semana Santa (para católicos praticantes) estou postando uma literatura compilada de edições raras, que se destaca pela idiossincrasia religiosa. Preferencialmente mantendo a grafia antiga. Há sete anos ou oito anos, pesquisando arquivos literários do Projeto Gutemberg, encontrei uma pérola raríssima: Álbum Chulo-Gaiato ou Colleção de Receitas Para Fazer Rir, de autoria desconhecida, publicado em 1862. Nesta segunda-feira a diversão é outra com o conto A Franciscanada.


A Franciscanada

Que grande franciscanada
Vai fazer com frei Bento
Frei João e frei Monteiro
P'ra longe do convento?

Bom alforge levam cheio,
Recheiado de finorio
Presunto, e grosso paio,
Furtados no refeitorio.

Frei Bento vai ajoujado
Com tremebunda borracha;
Chega o rancho a uma tasca
Para a horta lá se encaixa.

Frei João despindo o habito
E de manga arregaçada
Tempra e meche aforçurado
Um alguidar de salada.

Frei Monteiro pisca o olho
Á moça, que é rapariga,
E frei Bento sem c'rimonia
Um chouriço já mastiga.

Voam paios e presuntos
Tal é a gula e a gana,
Torna-se logo a borracha
Em famosa carraspana.

Depois alegres cantando
Lá se vão abarrotados
Ao convento recolhendo
Pelos muros encostados.

Chama a campa ao refeitorio,
Pois são horas de ceiar,
A fradalhada apparece
Mas não acha que trincar.

-«Que pouca vergonha é esta?»
Grita logo frei Martinho,
«Que é dos nossos grossos paios,
O presunto e mais o vinho?»

-«Fomos roubados», responde
O padre refeitoreiro,
«Tudo lambeu frei João
Com frei Bento e frei Monteiro!»

-«Ah! bebedos! ah glotões!
Ah! cambada de marotos!...»
Berra o padre provincial
Dando cinco ou seis arrotos.

-«Hão de caro pagal-o!»
Brada em peso o convento,
«Hão de levar bons açoites
Frei Monteiro e frei Bento;

«E tambem Dom frei João
Ha de leval-o o diabo!
Tudo quanto nos comeram
Ha de lhes saír do rabo!»

Todos logo bem armados
De sandalias gigantescas
Tratam de pôr á vela
As seis nadegas fradescas.

E depois sem mais demora
Pé atraz e furibundos
Tocam todas as matinas
Nos traseiros rubicundos.

Eis no meio da batalha,
Quando tudo em confusão
'Stá batendo a bom bater,
Dá um peido frei João!

Mas não é peido de medo
É um peido tremobundo,
Peido de frade, que é
O maior que ha neste mundo.

Se o famoso Garibaldi
Um tiro destes lh'escapa
Lá se vão com mil diabos
Os exercitos do Papa.

Foge tudo com o estoiro
E ainda mais com o cheiro,
Aquelles que mais gritaram
São os que fogem primeiro.

Frei João põe em derrota
O resto da fradalhada,
Dizendo-lhe que ainda tem
A peça bem carregada...


*
Ilustração de Joba Tridente - 2013


O Álbum Chulo-Gaiato ou Colleção de Receitas Para Fazer Rir é um daqueles achados que faz a gente confirmar que um bom texto é atemporal. O volume é recheado de prosa e verso sarcásticos, irônicos, safados, metafóricos, eróticos, românticos, chulos ao extremo e divertidíssimos do primeiro ao último parágrafo ou verso. Uma Colleção de Receitas Para Fazer Rir, inacreditavelmente atual, 151 anos depois da sua publicação, e tão boa que poderia até mesmo ser um texto perdido de Gregório de Matos (1623-1696) ou de Bocage (1765-1805). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...