sexta-feira, 8 de março de 2013

Cecília Meireles: Retrato



Na Antologia da Moderna Poesia Brasileira - Revista Acadêmica, acervo Brasiliana USP Digital, há apenas estas três fascinantes escritoras: Adalgisa Nery, Cecília Meirelles e Oneyda Alvarenga. Leia, de Cecília Meireles, dois poemas: Retrato, publicado em Viagem, de 1939, e Epigrama do Espelho Infiel, publicado em Vaga Música, de 1942. Esta é uma Cecília que poucos conhecem!


Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face ?



Epigrama do Espelho Infiel

Entre o desenho do meu rosto
e o seu reflexo,
meu sonho agoniza, perplexo.

Ah! pobres linhas do meu rosto,
desmanchadas do lado oposto,
e sem nexo!

E a lagrima do seu desgosto
sumida no espelho convexo !

*
Ilustração de Joba Tridente - 2013


“No caminho da evolução poética de Cecilia Meirelles o marco inicial é um lirismo de doçura tagoreana, que aponta para "Nunca mais" e "Poema dos Poemas" e "Baladas para El-Rey", e o marco atual mais característico é um desencanto de tudo a evolar-se num dorido desdém, num ceticismo penetrante, que não é recurso ou atitude literária, senão que constitui o resíduo final, ou melhor, a imanência de uma alma para quem não apenas o céu, mas também a terra com os seus seres insignificantes e circunstancias e com as suas cousas precárias e pobres - tudo afinal é vazio, vazio... O intemporal, o que está além dos sentidos enganosos - eis o que parece exercer maior fascinação sobre essa alma - chama aguda que mal tremula aos sopros bravios do mundo contingente. (...) Contentemo-nos em dizer que — assim em quantidade como em qualidade — a mensagem poética de Cecilia Meirelles é das mais consideráveis e poderosas até hoje escritas em língua portuguesa.” A. R. - em Antologia da Moderna Poesia Brasileira.

Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro, 1901 – Rio de Janeiro, 1964). Escritora, professora e jornalista. Em 1919, aos 18 anos, publicou Espectro, o seu primeiro livro de poesia. Cecília Meireles é autora de uma vasta obra onde se destacam: Criança, meu amor (1923), Nunca Mais (1923), Poema dos Poemas (1923). Batuque, Samba e Macumba (1933), A Festa das Letras (1937), Viagem (1939), Olhinhos de Gato (1940), Vaga Música (1942), Problemas de Literatura Infantil (1950), Romanceiro da Inconfidência (1953), Solombra (1963), Poemas de Israel (1963), Ou Isto Ou Aquilo (1964).

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