Na Antologia da Moderna Poesia Brasileira - Revista Acadêmica, acervo Brasiliana
USP Digital, há apenas estas três fascinantes escritoras: Adalgisa Nery, Cecília
Meirelles e Oneyda Alvarenga. Leia, de Cecília
Meireles, dois poemas: Retrato,
publicado em Viagem, de 1939, e Epigrama do Espelho Infiel, publicado
em Vaga Música, de 1942. Esta é uma Cecília que poucos conhecem!
Retrato
Eu não
tinha este rosto de hoje,
assim
calmo, assim triste, assim magro,
nem
estes olhos tão vazios,
nem o
lábio amargo.
Eu não
tinha estas mãos sem força,
Tão
paradas e frias e mortas;
Eu não
tinha este coração
que nem
se mostra.
Eu não
dei por esta mudança,
tão
simples, tão certa, tão fácil:
- Em
que espelho ficou perdida
a minha
face ?
Epigrama do Espelho Infiel
Entre o
desenho do meu rosto
e o seu
reflexo,
meu
sonho agoniza, perplexo.
Ah!
pobres linhas do meu rosto,
desmanchadas
do lado oposto,
e sem
nexo!
E a
lagrima do seu desgosto
sumida
no espelho convexo !
*
Ilustração de Joba Tridente - 2013
“No
caminho da evolução poética de Cecilia Meirelles o marco inicial é um lirismo
de doçura tagoreana, que aponta para "Nunca mais" e "Poema dos
Poemas" e "Baladas para El-Rey", e o marco atual mais
característico é um desencanto de tudo a evolar-se num dorido desdém, num
ceticismo penetrante, que não é recurso ou atitude literária, senão que
constitui o resíduo final, ou melhor, a imanência de uma alma para quem não apenas
o céu, mas também a terra com os seus seres insignificantes e circunstancias e
com as suas cousas precárias e pobres - tudo afinal é vazio, vazio... O
intemporal, o que está além dos sentidos enganosos - eis o que parece exercer
maior fascinação sobre essa alma - chama aguda que mal tremula aos sopros
bravios do mundo contingente. (...) Contentemo-nos em dizer que — assim em
quantidade como em qualidade — a mensagem poética de Cecilia Meirelles é das
mais consideráveis e poderosas até hoje escritas em língua portuguesa.” A. R. - em Antologia da Moderna Poesia Brasileira.
Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de
Janeiro, 1901 – Rio de Janeiro, 1964). Escritora, professora e jornalista. Em
1919, aos 18 anos, publicou Espectro,
o seu primeiro livro de poesia. Cecília
Meireles é autora de uma vasta obra onde se destacam: Criança, meu amor (1923), Nunca
Mais (1923), Poema dos Poemas
(1923). Batuque, Samba e Macumba
(1933), A Festa das Letras (1937), Viagem (1939), Olhinhos de Gato (1940), Vaga
Música (1942), Problemas
de Literatura Infantil (1950), Romanceiro
da Inconfidência (1953), Solombra
(1963), Poemas de Israel (1963), Ou Isto Ou Aquilo (1964).
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