Nesta
Semana Santa (para católicos praticantes) estou postando uma literatura compilada
de edições raras, que se destaca pela idiossincrasia religiosa.
Preferencialmente mantendo a grafia antiga. A quinta-feira também é de Guerra Junqueiro e o seu inflamante
poema A Árvore do Mal, publicado em A Velhice do Padre Eterno (1885).
A Árvore do Mal
Por
baixo do azul sereno, entre a fragrância
Dos mirtos, dos rosais,
Viviam
numa doce e numa eterna infância
Nossos primeiros pais.
Seus
corpos juvenis, mais alvos do que a lua,
Mais puros que os diamantes,
Conservavam
ainda a virgindade nua
Das coisas ignorantes.
Pôs
Deus nesse jardim com sua mão astuta
Ao lado da inocência
A Árvore
do Mal que produzia a fruta
Venenosa da ciência.
E, apesar
de conter venenos homicidas
E o germe do pecado,
Era
Deus quem comia á noite, às escondidas,
Esse fruto vedado.
Por
isso Jeová tinha ciência infinda,
Tinha um poder secreto,
E Adão
que não provara os frutos era ainda
Um anjo analfabeto.
Eva
colheu um dia o belo fruto impuro,
O fruto da Razão.
Nesse
instante sublime Eva tinha o Futuro
Na palma da sua mão!
O
homem, abandonado a submissão covarde,
Viu o fruto e comeu.
Esse
fruto é a luz que a Júpiter mais tarde
Roubará Prometeu.
E ao ver
igual a si a estátua que criara,
O homem réprobo e nu,
Jeová
exclamou: «Maldita seja a seara
cuja semente és tu!»
Veio
depois a Igreja e repetiu aos crentes
De toda a humanidade:
«Maldito
seja sempre o que enterrar os dentes
Nos frutos da Verdade!»
A Igreja
permitia esse vedado pomo
Somente aos sacerdotes.
Da Árvore
do Mal fugia o mundo, como
Os lobos dos archotes.
Se o sábio
que buscava o ouro nas retortas
Ia como um ladrão
Roubar
timidamente, à noite, às horas mortas,
Algum fruto do chão,
Tiravam-lhe
da boca esse fruto daninho
Duma maneira suave:
Atando-lhe
á garganta uma corda de linho
Suspensa d'uma trave.
Um dia
um visionário, alma vertiginosa,
Espirito imortal,
Foi
deitar−se, que horror! à sombra temerosa
Da Arvore do Mal.
A Igreja
ao ver aquela intrépida heresia
Lança-lhe excomunhões;
Tomba
por terra um fruto... e Newton descobria
A lei das atrações!
Sacudi,
sacudi, a arvore maldita,
Que os astros tombarão,
Como se
sacudisse a abobada infinita
Deus com a própria mão!
E
quando o mundo inteiro enfim houver comido
Até á saciedade
O fruto
que lhe estava ha tanto proibido,
O fruto da Verdade,
Homens,
dizei então a Jeová: - «Tirano,
Vai-te embora daqui!
Construímos
de novo o paraíso humano;
Fizemo-lo sem ti.
«Expulsaste
do Olimpo a humanidade outrora,
Ó déspota feroz;
Pois
bem, o Olimpo é nosso, e Jeová, agora
Expulsamos-te nós!
Abílio Manuel Guerra Junqueiro (17.9.1850 - 7.7.1923) foi jornalista,
escritor, e também se envolveu com política. Um dos mais polêmicos e
importantes escritores portugueses é autor, entre outros, de: Viagem À Roda Da Parvónia, A Morte De D. João (1874), Contos para a Infância (1875), A Musa Em Férias (1879), A velhice do padre eterno (1885), Finis Patriae (1890), Os Simples (1892), Oração Ao Pão (1903), Oração À Luz (1904), Gritos da Alma (1912), Pátria (1915), Poesias Dispersas (1920). Algumas obras estão disponibilizadas
gratuitamente no Projeto Gutemberg. A grafia acompanha a da edição de A Velhice do Padre Eterno de 1926.
Ilustração de Leal da Câmara (1876 - 1948) para A Velhice do Padre Eterno - Edição Lello & Irmãos Editores, de
1926.
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