quinta-feira, 28 de março de 2013

Literatura Sacra e Jocosa: Guerra Junqueiro 2



Nesta Semana Santa (para católicos praticantes) estou postando uma literatura compilada de edições raras, que se destaca pela idiossincrasia religiosa. Preferencialmente mantendo a grafia antiga. A quinta-feira também é de Guerra Junqueiro e o seu inflamante poema A Árvore do Mal, publicado em A Velhice do Padre Eterno (1885).


A Árvore do Mal

Por baixo do azul sereno, entre a fragrância
       Dos mirtos, dos rosais,
Viviam numa doce e numa eterna infância
       Nossos primeiros pais.

Seus corpos juvenis, mais alvos do que a lua,
     Mais puros que os diamantes,
Conservavam ainda a virgindade nua
     Das coisas ignorantes.

Pôs Deus nesse jardim com sua mão astuta
     Ao lado da inocência
A Árvore do Mal que produzia a fruta
     Venenosa da ciência.

E, apesar de conter venenos homicidas
     E o germe do pecado,
Era Deus quem comia á noite, às escondidas,
     Esse fruto vedado.

Por isso Jeová tinha ciência infinda,
     Tinha um poder secreto,
E Adão que não provara os frutos era ainda
     Um anjo analfabeto.

Eva colheu um dia o belo fruto impuro,
      O fruto da Razão.
Nesse instante sublime Eva tinha o Futuro
     Na palma da sua mão!

O homem, abandonado a submissão covarde,
     Viu o fruto e comeu.
Esse fruto é a luz que a Júpiter mais tarde
     Roubará Prometeu.

E ao ver igual a si a estátua que criara,
     O homem réprobo e nu,
Jeová exclamou: «Maldita seja a seara
     cuja semente és tu!»

Veio depois a Igreja e repetiu aos crentes
     De toda a humanidade:
«Maldito seja sempre o que enterrar os dentes
     Nos frutos da Verdade!»

A Igreja permitia esse vedado pomo
     Somente aos sacerdotes.
Da Árvore do Mal fugia o mundo, como
     Os lobos dos archotes.

Se o sábio que buscava o ouro nas retortas
     Ia como um ladrão
Roubar timidamente, à noite, às horas mortas,
     Algum fruto do chão,

Tiravam-lhe da boca esse fruto daninho
     Duma maneira suave:
Atando-lhe á garganta uma corda de linho
     Suspensa d'uma trave.

Um dia um visionário, alma vertiginosa,
     Espirito imortal,
Foi deitar−se, que horror! à sombra temerosa
     Da Arvore do Mal.

A Igreja ao ver aquela intrépida heresia
     Lança-lhe excomunhões;
Tomba por terra um fruto... e Newton descobria
     A lei das atrações!

Sacudi, sacudi, a arvore maldita,
     Que os astros tombarão,
Como se sacudisse a abobada infinita
     Deus com a própria mão!

E quando o mundo inteiro enfim houver comido
     Até á saciedade
O fruto que lhe estava ha tanto proibido,
     O fruto da Verdade,

Homens, dizei então a Jeová: - «Tirano,
     Vai-te embora daqui!
Construímos de novo o paraíso humano;
     Fizemo-lo sem ti.

«Expulsaste do Olimpo a humanidade outrora,
     Ó déspota feroz;
Pois bem, o Olimpo é nosso, e Jeová, agora
     Expulsamos-te nós!


Abílio Manuel Guerra Junqueiro (17.9.1850 - 7.7.1923) foi jornalista, escritor, e também se envolveu com política. Um dos mais polêmicos e importantes escritores portugueses é autor, entre outros, de: Viagem À Roda Da Parvónia, A Morte De D. João (1874), Contos para a Infância (1875), A Musa Em Férias (1879), A velhice do padre eterno (1885), Finis Patriae (1890), Os Simples (1892), Oração Ao Pão (1903), Oração À Luz (1904), Gritos da Alma (1912), Pátria (1915), Poesias Dispersas (1920). Algumas obras estão disponibilizadas gratuitamente no Projeto Gutemberg. A grafia acompanha a da edição de A Velhice do Padre Eterno de 1926.

Ilustração de Leal da Câmara (1876 - 1948) para A Velhice do Padre Eterno - Edição Lello & Irmãos Editores, de 1926. 

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