Esperanças
Pisoteadas
releitura de uma crônica publicada em
1997
Sábado. Manhã iluminada de primavera. No teatro:
As Quatro Estações de Vivaldi.
Grátis! A fila é enorme. Às portas fechadas, estranhos conversam com estranhos.
Feito velhos amigos. Troco ideias acaloradas com um casal que jamais vi na
vida. Então..., do nada..., uma criança pergunta:
- Como será que elas nascem?
- Como será que elas nascem?
- Elas,
quem?
- Elas,
as “esperanças”!
Olho e vejo, confundida no gramado verde, a “esperança” da menina. Ali, tão pertinho. Tão ao alcance de um toque de mão. Tão “cavalinho de deus”. Tão atenta à inquietação pública do público afoito. Medi as palavras:
- Elas
devem nascer na esperança do amor entre duas “esperanças”. Igual a gente, acho!
- Ah,
não! Gente, a gente vê sempre. Mas, “esperança” é meio difícil.
- É, “esperança”
não é coisa fácil de se ver. Ou de se ter.
Conjugava outra esperança. Conversava atravessado. O povo chegava. Mais e mais. Se achegava. Mais e mais. A “esperança” voava. Esvoaçava entre as pessoas. Se encostava à parede. Procurava uma fresta. Poucos a percebiam. Poucos a perceberam sumir. Pensei tê-la visto por entre pernas apressadas que venciam a porta de entrada em busca de melhores lugares lá dentro do teatro. Não tenho certeza. As “esperanças” são fugidias...
Na segunda feira, andando pelo calçadão, vi muitas “esperanças” pisoteadas por passantes compradores e vendedores de esperanças outras, que não gafanhotam as flores das jardineiras públicas. Pensava sobre aquele “esperançacídio” quando vi, ali, linda, peluda, felpuda, desfilar uma taturana. Ouvi um esmiuçar. A taturana-fogo já era. Borboleta, jamais! Mariposa, jamais! Bruxinha, jamais! Grudada no chão e na sola de um “sapato cego”, logo seria menos que pó. Seria nada.
Há tempos não vejo “esperanças”. Foram todas pisoteadas? E as borboletas, por onde voam?
Joba Tridente: crônica 1997/2013 –
ilustração – 2013
Joba Tridente: Artesão de Palavras e de Imagens. Oficineiro
Cultural. Livre Pensador Livre.
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