sexta-feira, 15 de março de 2013

Sylvio Roméro: Orações



Quando criança, a minha nona (vó) benzia toda a família, e quem mais quisesse, com ramos de alecrim e de hortelã. Havia, depois, o Seu Zé, um “nêgo véio”. Na minha cidade de Oswaldo Cruz, interior paulista, pra qualquer precisão, se encontrava um bom benzedor.  Estas Orações (de benzeduras) se encontram na edição digital de Cantos Populares do Brazil - volume II, reunidos pelo Dr. Sylvio Roméro (ou Silvio Romero), editado pela Nova Livraria Internacional - Editora - Lisboa, em 1883. Conservei a grafia original, inclusive nas notas..., tal e qual no livro.


Oração contra a espinhela
Espinhela cahida,
Portas do mar;
Arcas, espinhelas
Em teu logar.
Assim como Christo,
Senhor nosso, andou
Pelo mundo, arcas
Espinhelas levantou.

*
Oração contra espinha na garganta
Homem bom,
Mulher má,
Casa varrida,
Esteira rota.
Senhor Sam Braz
Disse a seu moço,
Que subisse ou descesse
A espinha do pescoço.

*
Oração contra o soluço
Doente:          Que bebo?
Curandeiro: Água de Christo, 
                          Que é bom para isto.

*
Oração contra o cobreiro
- Pedro, que tendes?
“Senhor, cobreiro.”
- Pedro, curae.
“Senhor, com que?”
- Agua das fontes,
Herva dos montes.

*
Oração contra o argueiro no olho
Corre, corre, cavalleiro,
Vae na porta de S. Pedro
Dizer á Santa Luzia
Que me mande seu lencinho
Para tirar este argueiro.

*
Oração do banho
Nossa Senhora lavou
Seu bento filho pr'a cheirar;
Eu me lavo p'ra sarar.

*
Oração para antes de deitar
Sam Pedro disse missa,
Jesus Christo benzeu o altar;
Assim benzo minha cama
Onde venho me deitar.

*
Oração do amassar das sezões
Deus vos salve, laranjeira
Que te venho visitar;
Venho te pedir uma folha
Para nunca mais voltar.


NOTAS: Oração contra a espinha (p. 127, vol. II.) – Esta oração de esconjuro acha-se na tradição portugueza e hespanhola. O snr. Leite de Vasconcellos tral-a “Para talhar a dada no peito.” Pega-se n'um pente, talha-se com o arrepio para cima, no peito doente, e diz-se:

O bô home me deu pousada,
A má mulher me fê-la cama
Em cima das vides,
Em cima da lama,
Vae-te dada
D'esta mama!
(Ap. Era Nova, p. 519.)

Nas Orações populares de Andaluzia, repete-se:

Hombre bueno,
Mujé mala,
Seron roto
Arbarda mojà,
Curarme Ia garganta
Senò San Blas.
(Cantos populares españoles, t. I, p. 444.)

O snr. Rodrigues Marin traz a lenda popular colligida em Sevilha, com que o povo explica este ensalmo. (Ibid., p. 461.) A mesma lenda é vulgar em Ourilhe, sendo S. Braz substituído por Jesus Christo; eis a formula:

O Senhor pediu pousada;
Bom homem lhe deu pousada,
E má mulher lhe fez a cama
N'uma grade sobre lama.
Sara peito, sara mama.
(Ap. Romania, t. III, p. 277.)


Sylvio Vasconcelos da Silveira Ramos Roméro (Lagarto, 21.04.1851 -18.06.1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor, filósofo. Roméro foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897 e escreveu para diversos jornais.  Sylvio Roméro é, entre outras obras, autor de: A poesia contemporânea e a sua intuição naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica moderna (1880);  Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883); Contos Populares do Brasil (1885); História da literatura brasileira, 2v. (1888); A poesia popular no Brasil (1880);  Compêndio da História da Literatura Brasileira (1906). Informações sabre a edição: Portal Brasiliana USP.

*
Ilustração de Joba Tridente - 2013

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