Aproveitando
que no mês de setembro, além da primavera, e ou talvez por isso, o Brasil é
tomado por feiras de livros e encontros literários, expondo a velha e a nova
literatura para novos e velhos leitores, decidi (re)visitar alguns grandes
escritores brasileiros e portugueses, cuja obra pode ser apreciada com prazer e
considerações por crianças de qualquer idade. São poemas que remetem à
infância, ao campo, aos jogos juvenis..., por vezes até melancólicos no seu
saudosismo, mas sempre (e)ternos no registro lúdico de um tempo que já não há.
Há muito!
O
número de poemas será o de um a três, por autor, e as postagens sempre
individuais (um por página) para melhor apreciação de cada obra. Esta primeira edição contará com mais ou
menos 30 escritores pinçados ao acaso em meus arquivos. Futuramente farei uma
edição apenas com escritoras.
É
difícil imaginar que o grande escritor açoriano Antero de Quental (1842-1891), de tendência socialista, que se
destacou no campo de filosofia e da política, tenha encontrado tempo para
compor o maravilhoso poema As Fadas,
para a coletânea Tesouro Poético da
Infância..., e que integrou a antologia póstuma Raios de Extinta Luz (1892), organizada por Teófilo Braga
(1843-1924). Amanhã é a vez de um clássico de Casimiro de Abreu (1839-1860).
A S F A D A S
Antero de Quental
As fadas… eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar…
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, a beira do mar…
Algumas em fonte fria
Escondem-se, enquanto e dia,
Saem só ao escurecer…
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
E que se vão esconder…
O vestir… são tais riquezas,
Que rainhas, nem princesas
Nenhuma assim se vestiu!
Porque as riquezas das fadas
São sabidas, celebradas
Por toda a gente que as viu…
Quando a noite e clara e amena
E a lua vai mais serena,
Qualquer as pode espreitar,
Fazendo rodas, ocupadas
Em dobar suas meadas
De ouro e de prata, ao luar.
O luar e os seus amores!
Sentadinhas entre as flores
Horas se ficam sem fim,
Cantando suas cantigas,
Fiando suas estrigas,
Em roca de oiro e marfim.
Eu sei os nomes de algumas:
Viviana ama as espumas
Das ondas nos areais,
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha
Nos batizados reais.
Morgana e muito enganosa;
As vezes, moca e formosa,
E outras, velha, a rir, a rir…
Ora festiva, ora grave,
E voa como uma ave,
Se a gente lhe quer bulir.
Que direi de Melusina?
De Titânia, a pequenina,
Que dorme sobre um jasmim?
De cem outras, cuja gloria
Enche as paginas da historia
Dos reinos de el-rei Merlin?
Umas tem mando nos ares;
Outras, na terra, nos mares;
E todas trazem na mão
Aquela vara famosa,
A vara maravilhosa,
A varinha de condão.
O que elas querem, num pronto,
Fez-se ali! parece um conto…
Mesmo de fadas… eu sei!
São condões que dão à gente,
Ou dinheiro reluzente
Ou joias, que nem um rei!
A mais pobre criancinha
Se quis ser sua madrinha,
Uma fada… ai, que feliz!
São palácios, num momento…
Beleza, que e um portento…
Riqueza, que nem se diz…
Ou então, prendas, talento,
Ciência, discernimento,
Graças, chiste, discrição…
Vê-se o pobre inocentinho
Feito um sábio, um adivinho,
Que aos mais sábios vai à mão!
Mas, com tudo isto, as fadas
São muito desconfiadas;
Quem as vê não há de rir.
Querem elas que as respeitem,
E não gostam que as espreitem,
Nem se lhes há de mentir.
Quem as ofende… Cautela!
A mais risonha, a mais bela,
Torna-se logo tão má,
Tao cruel, tão vingativa!
E inimiga agressiva,
E serpente que ali está!
E tem vinganças terríveis!
Semeiam coisas horríveis,
Que nascem logo no chão…
Línguas de fogo que estalam!
Sapos com asas que falam!
Um anão preto! Um dragão!
Ou deitam sortes na gente…
O nariz faz-se serpente,
A dar pulos, a crescer…
É-se morcego ou veado…
E anda-se assim encantado,
Enquanto a fada quiser!
Por isso quem por estradas
For, de noite, e vir as fadas
Nos altos mirando o céu,
Deve com jeito falar-lhes
Muito cortês e tirar-lhes
Ate ao chão o chapéu.
Porque a fortuna da gente
Esta às vezes somente
Numa palavra que diz;
Por uma palavra, engraça
Uma fada com quem passa,
E torna-o logo feliz.
Quantas vezes já deitado,
Mas sem sono, inda acordado
Me ponho a considerar
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar…
O que seria? Um tesouro?
Um reino? Um vestido de ouro?
Ou um leito de marfim?
Ou um palácio encantado,
Com seu lago prateado
E com pavões no jardim?
Ou podia, se eu quisesse,
Pedir também que me desse
Um condão, para falar
A língua dos passarinhos,
Que conversam nos seus ninhos…
Ou então, saber voar!
Oh, se esta noite sonhando,
Alguma fada, engraçando
Comigo (podia ser!)
Me tocasse da varinha,
E fosse minha madrinha
Mesmo a dormir, sem a ver…
E que amanhã acordasse
E me achasse… eu sei? Me achasse
Feito um príncipe, um emir!…
Até já, imaginando,
Se estão meus olhos fechando…
Deixa-me já, já dormir!
*
ilustração de Joba Tridente.2016
Antero Tarquínio de Quental (Ponta Delgada - Açores: 18.04.1842 - Ponta Delgada -
Açores: 11.09.1891) escritor açoriano de tendência socialista, dedicou-se poesia,
à filosofia e à política. Em Coimbra, Portugal, fundou a Sociedade do Raio com
a intenção de promover uma revolução intelectual no país. Obras: Sonetos de Antero
(1861); Beatrice e Fiat Lux (1863); Odes Modernas (1865); Bom Senso e Bom Gosto (1865); A Dignidade das Letras e as Literaturas
Oficiais (1865); Defesa da Carta
Encíclica de Sua Santidade Pio IX (1865); Portugal perante a Revolução de Espanha (1868); Causas da decadência dos povos peninsulares
(1871); Primaveras Românticas (1872);
Considerações sobre a Filosofia da
História Literária Portuguesa (1872); A
Poesia na Actualidade (1881); Sonetos
Completos (1886); A Filosofia da
Natureza dos Naturistas (1886); Tendências
Gerais da filosofia na Segunda Metade do Século XIX (1890); Raios de extinta luz (1892); A Bíblia da Humanidade (?); Leituras Populares (?); Liga Patriótica do Norte (?); Prosas (?). Para saber mais: Releitura; Figuras da Cultura
Portuguesa; Wikipédia.
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