segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Curvo Semedo: A Lebre e a Tartaruga

Aproveitando que no mês de setembro, além da primavera, e ou talvez por isso, o Brasil é tomado por feiras de livros e encontros literários, expondo a velha e a nova literatura para novos e velhos leitores, decidi (re)visitar alguns grandes escritores brasileiros e portugueses, cuja obra pode ser apreciada com prazer e considerações por crianças de qualquer idade. São poemas que remetem à infância, ao campo, aos jogos juvenis..., por vezes até melancólicos no seu saudosismo, mas sempre (e)ternos no registro lúdico de um tempo que já não há. Há muito!

O número de poemas será o de um a três, por autor, e as postagens sempre individuais (um por página) para melhor apreciação de cada obra.  Esta primeira edição contará com mais ou menos 30 escritores pinçados ao acaso em meus arquivos. Futuramente farei uma edição apenas com escritoras.

O escritor e tradutor Curvo Semedo (1766-1838) viveu num período de grande ebulição literária em Portugal, não só por conta da Academia Nova Arcádia, mas pela presença do controverso escritor Bocage. Uma das suas obras mais conhecidas e que lhe deu maior notoriedade é a Tradução Livre das Melhores Fábulas de La Fontaine (1843), em cujo Prólogo, além de alfinetar outros tradutores justifica a sua ousadia de tradutor: “Posso dizer que muitas vezes nem traduzi, nem parafraseei; apoderei-me do assunto, alterei-o a meu modo, esclareci onde era obscuro, cortei o que julguei supérfluo, e aumentei onde carecia de adorno, emendando muitas inverosimilhanças, debaixo do princípio de que as propensões características dos animais nunca se devem alterar, para não vermos os Delfins pelos bosques, e os Javalis pelas ondas como diz Horácio. Os que respeitam de La Fontaine com fanatismo, talvez que me arguem de maledicente, mas devem também arguir o seu apologista Naigeon que lhe confessa estes defeitos.” De Curvo Semedo, tradutor, recriador e ou coautor das Fábulas de La Fontaine, publico hoje A Lebre e a Tartaruga. Amanhã é a vez de Fagundes Varela (1841-1875).



A Lebre e a Tartaruga
Jean de La Fontaine
releitura de Curvo Semedo

 “Apostemos, disse a lebre
A tartaruga matreira,
Que eu chego primeiro ao alvo
Do que tu, que es tão ligeira!”

Dado o sinal da partida,
Estando as duas a par,
A tartaruga começa
Lentamente a caminhar.

A lebre tendo vergonha
De correr diante dela,
Tratando uma tal vitória
De peta ou de bagatela,

Deita-se, e dorme o seu pouco;
Ergue-se, e põe-se a observar
De que parte corre o vento,
E depois entra a pastar;

Eis deita uma vista de olhos
Sobre a caminhante sorna,
Inda a vê longe da meta,
E a pastar de novo torna.

Olha; e depois que a vê perto,
Começa a sua carreira;
Mas então apressa os passos
A tartaruga matreira.

A meta chega primeiro,
Apanha o premio apressada,
Pregando a lebre vencida
Uma grande surriada.

Não basta só haver posses
Para obter o que intentamos;
E preciso pôr-lhe os meios,
Quando não, atrás ficamos.

O contendor não desprezes
Por fraco, se te investir;
Porque um anão acordado
Mata um gigante a dormir.

*
ilustração de Joba Tridente.2016



Belchior Manuel Curvo Semedo Torres de Sequeira (Montemor-o-Novo: 1766 -Lisboa: 1838): fidalgo da Casa Real, escritor e tradutor português, e fundador do Movimento Nova Arcádia (1790), onde usava o pseudônimo Belmiro Transtagano. Na sua bibliografia se destacam as Composições Poéticas (vol. I e II, 1803; vol. III, 1817; vol. IV, 1835), e Tradução Livre das Fábulas de La Fontaine (1843). A sua obra pode ser considerada neoclássica e o seu grande rival na seara literária seria Bocage (1765-1805). Assim ele se apresenta na página de rosto de Composições Poéticas: Belchior Manuel Curvo Semedo - Cavaleiro Professo na Ordem de Cristo, Fidalgo da Casa Real, Moço da Câmara no Número do Príncipe Regente, e Primeiro Tenente do Real Corpo de Engenheiros; Sócio da Academia Tubuciana, Entre os Arcades Belmiro Transtagano. É possível encontrar algumas de suas obras para download em Literatura Digital.

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