Aproveitando
que no mês de setembro, além da primavera, e ou talvez por isso, o Brasil é
tomado por feiras de livros e encontros literários, expondo a velha e a nova
literatura para novos e velhos leitores, decidi (re)visitar alguns grandes
escritores brasileiros e portugueses, cuja obra pode ser apreciada com prazer e
considerações por crianças de qualquer idade. São poemas que remetem à
infância, ao campo, aos jogos juvenis..., por vezes até melancólicos no seu
saudosismo, mas sempre (e)ternos no registro lúdico de um tempo que já não há.
Há muito!
O
número de poemas será o de um a três, por autor, e as postagens sempre individuais
(um por página) para melhor apreciação de cada obra. Esta primeira edição contará com mais ou
menos 30 escritores pinçados ao acaso em meus arquivos. Futuramente farei uma
edição apenas com escritoras.
O escritor e tradutor Curvo Semedo (1766-1838) viveu num
período de grande ebulição literária em Portugal, não só por conta da Academia
Nova Arcádia, mas pela presença do controverso escritor Bocage. Uma das suas
obras mais conhecidas e que lhe deu maior notoriedade é a Tradução Livre das Melhores Fábulas de La Fontaine (1843), em cujo Prólogo, além de alfinetar outros
tradutores justifica a sua ousadia de tradutor: “Posso dizer que muitas vezes nem traduzi, nem parafraseei; apoderei-me
do assunto, alterei-o a meu modo, esclareci onde era obscuro, cortei o que
julguei supérfluo, e aumentei onde carecia de adorno, emendando muitas
inverosimilhanças, debaixo do princípio de que as propensões características
dos animais nunca se devem alterar, para não vermos os Delfins pelos bosques, e
os Javalis pelas ondas como diz Horácio. Os que respeitam de La Fontaine com
fanatismo, talvez que me arguem de maledicente, mas devem também arguir o seu
apologista Naigeon que lhe confessa estes defeitos.” De Curvo Semedo, tradutor, recriador e ou
coautor das Fábulas de La Fontaine, publico
hoje A Lebre e a Tartaruga. Amanhã é
a vez de Fagundes Varela (1841-1875).
A Lebre e a Tartaruga
Jean de La Fontaine
releitura de Curvo Semedo
“Apostemos, disse a lebre
A tartaruga matreira,
Que eu chego primeiro ao alvo
Do que tu, que es tão ligeira!”
Dado o sinal da partida,
Estando as duas a par,
A tartaruga começa
Lentamente a caminhar.
A lebre tendo vergonha
De correr diante dela,
Tratando uma tal vitória
De peta ou de bagatela,
Deita-se, e dorme o seu pouco;
Ergue-se, e põe-se a observar
De que parte corre o vento,
E depois entra a pastar;
Eis deita uma vista de olhos
Sobre a caminhante sorna,
Inda a vê longe da meta,
E a pastar de novo torna.
Olha; e depois que a vê perto,
Começa a sua carreira;
Mas então apressa os passos
A tartaruga matreira.
A meta chega primeiro,
Apanha o premio apressada,
Pregando a lebre vencida
Uma grande surriada.
Não basta só haver posses
Para obter o que intentamos;
E preciso pôr-lhe os meios,
Quando não, atrás ficamos.
O contendor não desprezes
Por fraco, se te investir;
Porque um anão acordado
Mata um gigante a dormir.
*
ilustração de Joba Tridente.2016
Belchior Manuel Curvo Semedo Torres de Sequeira (Montemor-o-Novo:
1766 -Lisboa: 1838): fidalgo da Casa Real, escritor e tradutor português, e fundador
do Movimento Nova Arcádia (1790), onde
usava o pseudônimo Belmiro Transtagano.
Na sua bibliografia se destacam as Composições
Poéticas (vol. I e II, 1803; vol. III, 1817; vol. IV, 1835), e Tradução Livre das Fábulas de La Fontaine
(1843). A sua obra pode ser considerada neoclássica e o seu grande rival na
seara literária seria Bocage (1765-1805). Assim ele se apresenta na página de
rosto de Composições Poéticas: Belchior
Manuel Curvo Semedo - Cavaleiro Professo na Ordem de Cristo, Fidalgo da Casa
Real, Moço da Câmara no Número do Príncipe Regente, e Primeiro Tenente do Real
Corpo de Engenheiros; Sócio da Academia Tubuciana, Entre os Arcades Belmiro
Transtagano. É possível encontrar algumas de suas obras para download em Literatura
Digital.
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