segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Martins Fontes: Inocência

Aproveitando que no mês de setembro, além da primavera, e ou talvez por isso, o Brasil é tomado por feiras de livros e encontros literários, expondo a velha e a nova literatura para novos e velhos leitores, decidi (re)visitar alguns grandes escritores brasileiros e portugueses, cuja obra pode ser apreciada com prazer e considerações por crianças de qualquer idade. São poemas que remetem à infância, ao campo, aos jogos juvenis..., por vezes até melancólicos no seu saudosismo, mas sempre (e)ternos no registro lúdico de um tempo que já não há. Há muito!

O número de poemas será o de um a três, por autor, e as postagens sempre individuais (um por página) para melhor apreciação de cada obra.  Esta primeira edição contará com mais ou menos 30 escritores pinçados ao acaso em meus arquivos. Futuramente farei uma edição apenas com escritoras.

O escritor brasileiro Martins Fontes (1884-1937) é considerado um dos maiores nomes da sua geração. O médico, o tradutor, o poeta santista sempre se preocupou com a originalidade. Fugindo do lugar comum das regras e gêneros foi um dos poucos a se consagrar com o estilo literário "sem estilo". O seu bucólico poema Inocência, registra a passagem do tempo com beleza e melancolia. Amanhã chega Paulo Setúbal (1893-1937) com três resgates impressionantes da vida campestre.



I N O C Ê N C I A
Martins Fontes 

Criança ingênua, o dia inteiro,
com os meus caniços de taquara,
ficava eu, ao sol de então,
junto dos tanques, no terreiro,
soprando a espuma, leve e clara,
fazendo bolhas de sabão.

Corando a roupa, entre cantigas,
as lavadeiras, que passavam,
interrompiam a canção...
Riam-se as pobres raparigas,
vendo as imagens que brilhavam,
nas minhas bolhas de sabão.

Cresci. Sofri. Sonhando vivo.
E, homem e artista, ainda agora,
me apraz aquela distração...
E fico, às vezes, pensativo,
fazendo versos, como outrora
fazia bolhas de sabão.

E velho, um dia, de repente,
sem ter, de fato, sido nada,
pois tudo é apenas ilusão,
hão de extinguir-se a alma inocente
que em mim fulgura, evaporada
como uma bolha de sabão.

*
ilustração de Joba Tridente.2016



José Martins Fontes (Santos-SP: 23.06.1884 - Santos-SP: 25.06.1937), poeta e tradutor brasileiro. Graduado em medicina, o escritor, incansável na busca de uma linguagem própria, publicou seus primeiros versos aos 8 anos, no jornal A Metralha. O seu primeiro livro de poesia, Verão, foi lançado em 1917. Conviveu com grande nome da literatura, como Olavo Bilac, Coelho Neto, Emílio de Meneses. Publicou em diversos periódicos e jornais nacionais. Foi titular da Academia das Ciências de Lisboa e patrono da cadeira 26 da Academia Paulista de Letras. Sua bibliografia é extensa, cerca de 60 livros, que você pode conferir no Wikipédia.

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