Aproveitando
que no mês de setembro, além da primavera, e ou talvez por isso, o Brasil é
tomado por feiras de livros e encontros literários, expondo a velha e a nova
literatura para novos e velhos leitores, decidi (re)visitar alguns grandes
escritores brasileiros e portugueses, cuja obra pode ser apreciada com prazer e
considerações por crianças de qualquer idade. São poemas que remetem à
infância, ao campo, aos jogos juvenis..., por vezes até melancólicos no seu
saudosismo, mas sempre (e)ternos no registro lúdico de um tempo que já não há.
Há muito!
O
número de poemas será o de um a três, por autor, e as postagens sempre
individuais (um por página) para melhor apreciação de cada obra. Esta primeira edição contará com mais ou
menos 30 escritores pinçados ao acaso em meus arquivos. Futuramente farei uma
edição apenas com escritoras.
Como falei ontem..., ao publicar o antológico poema Noite de Inverno, de Arronches Junqueiro (1868-1940)..., o tempo por aqui, no Falas ao Acaso, continua chuvoso e sujeito a tempestades. A prova disso é a presença do ousado autor alagoano Jorge de Lima (1893-1953), com seu
estilo “sem estilo” livre, nos apresentando o seu adorável poema Enchente (pra alegria geral da garotada), do
livro Obra Poética (1950). Ah, ele
retorna amanhã com a magnífica pérola O
Mundo do Menino Impossível.
ENCHENTE
Jorge de Lima
– Por que as jandaias e os periquitos estão gritando como os
meninos
do Grupo, na hora de vadiar?
– É uma cabeça de enchente que veio ontem de tarde.
E o rio deu pra falar grosso
e bancar Zé-pabulagem:
– “Não duvide que eu levo
a sua almofada de fazer renda, minha
velha!”
E o rio cresceu. Entrou na camarinha
e lá se foi com a almofada da velha!
– “Deus te favoreça, meu filho,
– você, ainda outro dia, era tão
manso,
lavava até os pratos de minha
cozinha!”
– “Não duvide, seu canoeiro,
que eu emborco a sua canoa!”
E rodou com o canoeiro
e virou a canoa mesmo.
E entrou nos fundos das casas
e saiu nas portas da rua.
Subiu no olho da ingazeira,
tirou ingá e comeu.
Pulou das pedras em baixo,
espumando como um doido.
Fez até medo às piabas, que correram
pra os barreiros.
Só os meninos estão satisfeitos:
– “Deus permita que o rio encha
mais!”
– “Deus permita que o rio encha
mais!”
Quando o rio entrar na rua,
as salas de visita serão banheiros.
Eles deitarão barquinhos de cima das
janelas,
e a professora fechará a escola.
– “Deus permita que o rio encha
mais!”
– “Deus permita que o rio encha
mais!”
*
ilustração de Joba Tridente - 2016
*
ilustração de Joba Tridente - 2016
Jorge Mateus de Lima (União dos
Palmares - Alagoas: 23.04.1893 - Rio de Janeiro-RJ: 15.11.1953) foi médico,
político, escritor (de prosa e verso), biógrafo, ensaísta e pintor brasileiro. O autor do desconcertante poema Essa
Negra Fulô (já postado por aqui) e do inesquecível Invenção de Orfeu (1952), o modernista
Jorge de Lima trafega com a mesma disciplina, ritmo e inquietação entre a
poesia e o romance. Poesia: XIV Alexandrinos (1914); O Mundo do Menino Impossível (1925);
Poemas (1927); Novos Poemas (1929); O Acendedor de lampiões (1932); Tempo e Eternidade (1935); A Túnica Inconsútil (1938); Anunciação e encontro de Mira-Celi (1943);
Poemas Negros (1947); Livro de Sonetos (1949); Obra Poética (1950); Invenção de Orfeu (1952); Antologia Poética (1969). Romance: O anjo (1934); Calunga (1935);
A mulher obscura (1939); Guerra
dentro do beco (1950). Há farto e bom material sobre Jorge de Lima na web. O mais breve está na Wikipédia.
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