quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Paulo Setúbal: A Gente

Aproveitando que no mês de setembro, além da primavera, e ou talvez por isso, o Brasil é tomado por feiras de livros e encontros literários, expondo a velha e a nova literatura para novos e velhos leitores, decidi (re)visitar alguns grandes escritores brasileiros e portugueses, cuja obra pode ser apreciada com prazer e considerações por crianças de qualquer idade. São poemas que remetem à infância, ao campo, aos jogos juvenis..., por vezes até melancólicos no seu saudosismo, mas sempre (e)ternos no registro lúdico de um tempo que já não há. Há muito!

O número de poemas será o de um a três, por autor, e as postagens sempre individuais (um por página) para melhor apreciação de cada obra.  Esta primeira edição contará com mais ou menos 30 escritores pinçados ao acaso em meus arquivos. Futuramente farei uma edição apenas com escritoras.

O escritor brasileiro Paulo Setúbal (1893-1937) é um dos mais representativos e festejados nomes da literatura regionalista e do romance histórico. Dono de uma linguagem límpida e envolvente, a sua obra tem o poder de transportar qualquer leitor, até o mais urbano, para um sítio rural repleto s de sons, cores e odores. Para mim, que nasci e cresci no interior de São Paulo, reencontrar-me nessas memórias afetivas de Paulo Setúbal é um prazer inenarrável. Confira os seus versos cheios de prosa pastoral em três preciosos momentos presentes no antológico Alma Cabocla, que vendeu em sua primeira edição 3.000 exemplares. Ontem você conheceu os afazeres de A Fazenda. Hoje aprecia o poeta traçando um retrato impecável desse povo da roça, praticamente invisível ao povo da cidade grande, com o seu bonito poema A Gente. Amanhã observa a graça de um dia de vida bucólica (quase) sem pressa no campo...



A  G e n t e
Paulo Setúbal


Saio a passear... Claro e quente,
O sol na altura sorri.
Eu sigo, de alma contente,
Saudando esta boa gente
Dos sítios onde nasci!

Lá vou, por entre este povo,
Com tanta ingênua emoção,
Que eu, sem querer, me comovo,
Revendo agora, de novo,
Nhô Lau, seu Juca, o Bastião...

***

Aquele... Nossa Senhora!...
- Aquele é o seu Nicanor:
O mesmo, tão curvo agora,
Que foi, nos tempos de outrora,
O meu grande professor!

É um velho... Um republicano
Desde o tempo que lá vai!
Vive a falar no Floriano,
Dizendo que e veterano
Da guerra do Paraguai...

***

E este?... O Mendonça afamado,
O célebre caçador!
Traz a lapeana de lado,
E um perdigueiro malhado
Que salta no carreador.

Rude, feroz, barba intonsa,
Com a sua desfaçatez,
A todos narra o Mendonça
Terríveis caçadas de onça,
- Caçadas que nunca fez.

***

Lá está na foice, roçando,
O velho Jeca Morais:
Caboclo bom, gênio brando,
Apenas, de quando em quando,
Bebe algum trago demais.

***

No dia em que se endominga,
Vai ao povoado passear;
E à volta, cheirando à pinga,
Discute, provoca, xinga,
Querendo à força brigar!

***

Junto, o Nicola persiste
Em consertar um moirão;
Não sei se no mundo existe
Outro violeiro mais triste
Que esse infeliz mocetão.

Louca paixão, louca e imensa,
Sempre em angústias o traz:
É que ele, o poeta, só pensa
Na filha do Quim Proença,
Que gosta de outro rapaz.

Quando o luar desenrola,
No espaço, o místico alvor,
Sonhando um sonho, o Nicola
Põe-se a chorar na viola
As mágoas do seu amor...

***

Guiando os bois do seu carro,
Que ringe num alto som,
Nhô João, na estrada de Barro,
La vai, pitando um cigarro,
Cheiroso de fumo bom.

Com seu enorme trabuco,
Calça xadrez, pé no chão,
Na venda do Zé Macuco,
Sentado à mesa do truco,
- Que noites passa nhô João!

***

Ao longe, num largo trote,
Com elegâncias de peão,
- Bombacha, espora e chicote -
Passa na estrada o Mingote,
Montado num alazão.

Moço dos mais arrogantes,
De claro olhar, claro e azul,
Conta as paixões delirantes
Que teve em terras distantes,
Ao vir com tropas do Sul...

***

Eu sigo... Festivamente,
O sol na altura sorri;
Assim, risonho e contente,
Revejo toda esta gente
Dos sítios onde eu nasci...

*
ilustração de Joba Tridente.2016



Paulo de Oliveira Leite Setúbal (Tatuí-SP: 01.01.1893 - São Paulo-SP: 04.05.1937), foi advogado, jornalista e escritor de prosa e verso. Autor de romances históricos, crônicas, contos, poesia e memória, Setúbal traduz como poucos a vida simples do brasileiro interiorano. A fidelidade com que retrata a vida campestre em seus poemas emociona, inebria. Paulo Setúbal publicou em Poesia: Alma Cabocla (1920); Romance: A Marquesa de Santos (1925); O Príncipe de Nassau (1926); Os Irmãos Leme (1933); O Sonho das Esmeraldas (1935); História: El-dorado, História (1934); O Romance da Prata (1935); Conto: As Maluquices do Imperador (1927); A Bandeira de Fernão Dias (1928); Nos Bastidores da história (1928); Crônica: O Ouro de Cuiabá (1933); Ensaio: A Fé na Formação da Nacionalidade (1936); Memórias: Confíteor (1937); Teatro: Um Sarau no Pátio de São Cristóvão (1926). Saiba mais: Academia Brasileira de Letras.

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